As Peregrinas “Anas Paulas” e o Caminho da Costa desde a Póvoa a Marinhas
- Artur Filipe dos Santos
- 15 de ago. de 2020
- 4 min de leitura
As peregrinas “Anas Paulas”, foto obtida a 28 de junho de 2020, junto a um moinho da Aguçadoura
(Permitido a transcrição completa e parcial deste artigo com a seguinte cita Santos, Artur Filipe. GAs Peregrinas Anas Paulas e o Caminho da Costa desde a Póvoa a Marinhas. Porto, 15 de Agosto de 2020. Disponível em https://omeucaminhodesantiago.wordpress.com/2020/08/15/as-peregrinas-anas-paulas-e-o-caminho-da-costa-desde-a-povoa-a-marinhas. Acedido a…)
Em plena fase alta da pandemia de Covid-19 (estou a escrever tendo como referências os anos vindouros que, desejo, serão melhores do que 2020), quando os caminhos estavam, pensava eu, desertos de peregrinos, sentindo-me uma ave rara no meio dos passadiços da Póvoa, uma “gota” na estrada de madeira, entre as dunas e o mar, eis que encontro, lá ao longe, duas “manchas” semelhantes às típicas mochilas que habitualmente pesam nas “espaldas” caminhantes de quem ruma a Compostela.
À medida em que me vou aproximando cresce a certeza das minhas primeiras impressões (sim, eram mesmo mochilas, das grandes, onde nem o típico saco-cama fatava), corroborada com o avistamento cada vez mais perceptível de um um símbolo que acompanha o romeiro a Compostela: a concha de vieira.
E porque venho mais leve, facilmente alcanço os dois vultos no meio do passadiço, ainda em terras poveiras e saúdo com o típico “Bom Caminho”, ao que me corresponderam com um amável obrigado e resposta semelhante.
Eram duas raparigas na casa dos 40. Meti conversa (típica de um ex-jornalista, para sempre jornalista) e rapidamente conheci as suas histórias.
“Anas Paulas”, responderam as peregrinas quando questionadas sobre os seus nomes. Ambas enfermeiras, ambas de Braga, ambas com o mesmo nome e ambas caminham por fé há mais de sete anos nos Caminhos de Santiago.
Já haviam feito o Caminho Central, andaram por Finisterra, já vieram de Sárria até Santiago. Conheciam-se há anos, motivadas pela relação laboral que tinham no hospital da cidade dos Arcebispos e daí cresceu uma amizade, fruto dos gostos que tinham em comum, onde se incluíam os Caminhos de Santiago.
Colaboradoras acérrimas em atividades relacionadas com a Igreja, as amigas fizeram de tudo, desde monitoras de campos de férias, passando por equipas de apoio aos peregrinos a Fátima. De uma simpatia contagiante, as peregrinas iam desfiando os passos das suas vidas e o seu amor a Santiago e à tradição dos Caminhos.
Mas como tudo é bom acaba depressa e os passadiços intermináveis já atrasavam os passos apressados, desejei-lhes novamente Bom Caminho e avisei-as de que as fronteiras com a Galiza ainda estavam fechadas e seguimos cada um a sua jornada.

Albergue de S. José de Ribamar, Póvoa de Varzim, inaugurado em 2013
E que jornada, desde o albergue de S. José de Ribamar (que abriu portas em 2013) até ao de S. Miguel de Marinhas, em Esposende, numa rota onde o Caminho finalmente vira momentaneamente costas ao mar e adentra, pelos campos de cultivo e freguesias perdidas na imensidão verde dos terrenos agrícolas, desde a Aguçadoura, o final do concelho da Póvoa de Varzim, penetrando na Apúlia, em Fão, para “regressar” novamente à orla marítima no momento em que nos preparamos para cruzar o rio Cávado, para entrar em Esposende (onde somos convidados a descobrir os novos “Caminhos de S. Bento”, recebidos na entrada sul por um marco do Caminho da Costa, inagurado em fevereiro de 2013.

Placa indicativa dos Caminhos de S. Bento, iniciativa lançada em 2020 pela Irmandade de São Bento da Porta Aberta e a Comunidade Intermunicipal do Cávado. Esta placa encontra-se junto à Ponte D. Luis Filipe, Fão, Esposende

Marco do Caminho Português da Costa, inaugurado em 2013
Uma etapa (a terceira a partir do Porto) que nos dá a conhecer as bonitas praias do mar da Póvoa, passadiços intermináveis que separam o areal das dunas, sobretudo a partir de A-Ver-o-Mar, passando por Estela, pelos típicos moinhos de vento da Póvoa e da Aguçadoura e da Apúlia, começando a entrar para o interior dos campos em direção à bonita igreja barroca de S. Miguel da Apúlia (datada de Agosto de 1945, substitui uma anterior que havia sido reformulada entre 1696 e 1700), junto da qual se encontra um marco do Caminho que nos indica o trajeto Apúlia-Esposende.

Igreja de S. Miguel da Apúlia

Moinhos da Apúlia
As várias “alminhas” que nos acompanham ao longo da rota testemunham a fé das gentes poveiras e de Esposende, onde destaco a pequena Capela da Caridade (datada de 1881), na Apúlia, e a imagem de Santo António de Fão, do Santuário do Bom Jesus (edificado entre os séc. XVIII e XIX) e a Capela da Senhora da Lapa (e de Nossa Senhora de Fátima, construida no séc. XVIII, como se refere um documento datado de 23 de Maio de 1758 esta Capela foi “…novamente erecta pelo Missionário Apostólico Ângelo de Sequeira, feita de bela pedraria lavrada… “) em Fão.

Santuário do Bom Jesus de Fão, construído ente o séc. XVIII e XIX

Santo António de Fão
Ultrapassada a ponte sobre o Cávado, que separa Fão de Esposende, e que leva o nome de D. Luis Filipe (malogrado filho do rei D. Carlos que encontrou a morte, junto do seu pai no triste episódio do regicídio, ocorrido em 1908, adentramos na paisagem do Parque Natural do Litoral Norte, onde se destaca a bonita ria de Esposende. passando pelo forte de S. João Baptista (edificado entre 1699 e 1704, com a função de defender a foz do rio Cávado).

Forte de S. João Batista, Edificado entre 1699 e 1704, durante o reinado de Pedro II de Portugal
A partir deste ponto o Caminho abandona o oceano, regressa aos campos para descobrir a típica paisagem rural minhota entre o mar e a montanha, até à capela e cruzeiro de S. Sebastião, para alcançar, 25 quilómetros depois, o albergue público de S. Miguel de Marinhas, albergue instalado num antigo edifício rural, de características graníticas, situado no antigo Campo de São Miguel.

Albergue de S. Miguel de Marinhas, inaugurado em maio de 2011
Quanto às “Anas Paulas”, nunca mais as vi, mas acredito que um dia nos voltaremos a cruzar para celebrar a amizade destas amigas para a eternidade com a benção do Apóstolo. Bom Caminho, sempre, peregrinas!!
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