AS TRÊS FESTAS EM HONRA DE SANTIAGO: o Martírio, a Traslatio e a Aparição em Clavijo
Texto originalmente publicado no blogue O Meu Caminho de Santiago (permitido a transcrição completa e parcial deste artigo com a seguinte cita Santos, Artur Filipe (2020). AS TRÊS FESTAS EM HONRA DE SANTIAGO: o Martírio, a Traslatio e a Aparição em Clavijo. Disponível em https://omeucaminhodesantiago.wordpress.com/2020/12/30/as-tres-festas-em-honra-de-santiago-o-martirio-a-traslatio-e-a-aparicao-em-clavijo/ Acedido a…)
A 30 de dezembro a igreja compostelana celebra a “Traslatio” do corpo do Apóstolo Santiago Maior, um episódio transcendental para entender a tradição jacobeia e todo um património cultural imaterial que envolve a perspectiva religiosa dos Caminhos de Santiago. Mas o que poucos (aqueles que vivem intensamente estas temáticas da história e da fé) sabem é que durante o ano temos não uma, não duas mas três festas litúrgicas em honra do Apóstolo: o Martírio (25 de julho), a Traslatio (30 de dezembro) e Aparição na batalha de Clavijo (23 de maio).
Se todos os anos são as festas da noite de 24 (com os transcendentes “Fogos do Apóstol”) e do dia 25 de julho os que mais luzem no calendário das cerimónias em honra de Santiago, a celebração da trasladação dos restos mortais do Santo desde o porto de Jaffa, na Palestina, após o seu martírio (que recordamos a cada dia 25 de julho e em especial nos anos “Xacobeo”) às mãos de Herodes Agripa, até à cidade de Iria Flavia (atual cidade de Padrón) na distante província romana da Galécia, é alvo de grande evocação, sobretudo tendo em especial relevância a devoção demonstrada pelos discípulos Teodoro e Atanásio e as suas manifestações de inabalável fé perante as manigâncias orquestradas pela pagã rainha Lupa. Ainda hoje recordamos essa narrativa histórico-mítica cada vez que contemplamos o “pedrón”, a antiga ara votiva em honra a Neptuno que encontramos no altar da Igreja de Santiago de Padrón e que a tradição refere ter sido o pétreo lugar onde os discípulos amarraram a barca ao chegar a Iria.
É também no universo entre a história e a tradição que nos surge o episódio da aparição do Apóstolo na batalha de Clavijo, peleja que terá ocorrido a 23 de maio do ano de 844, ao tempo do reinado de Ramiro I das Astúrias.
Clavijo, uma pequena povoação da comunidade de La Rioja, à época do filho de Bermudo I o Diácono e seu sucessor no trono astur, foi o lugar escolhido para o confronto entre as tropas cristãs e as tropas de Abderramãn II. A muita tradição e a pouca história relata que as “armas” mouras ultrapassavam em muito as de Ramiro I e que subitamente se ouve no meio da disputa um grito que se tornará mítico: “Santiago y cierra España”! Vindo sabe-se lá de onde, surge-nos um cavaleiro branco, montado num cavalo de igual cor, empunhando uma espada em forma de cruz, trespassando os seguidores do Islão, ajudando a resolver a contenda para o lado cristão. Desde então uma nova iconografia de Santiago ficamos a conhecer, e provavelmente a menos amada: a de Santiago Mata-Mouros.
Entre a história e a lenda é tão certa a simbologia que nos ficou dessa batalha – com a cruz e as vestes brancas da Ordem de Santiago, o “Voto de Santiago” (tributo instituído por Ramiro I à Igreja Compostela após a batalha, assinado na cidade de Calahorra) – como todo o património cultural à volta da tradição jacobeia e dos Caminhos de Santiago e que adensam a aura de fé e mistério que todos os anos celebramos nas três festas em honra a Santiago Apóstolo, filho de Zebedeu.
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