Galego: uma Língua sem Fronteiras
Obra-prima de Rosalía de Castro recorda os laços com o norte de Portugal
Todos os anos, a 17 de maio, a Galiza comemora os grandes autores da língua que nasceu do mesmo berço que a de Camões, com especial enfoque para Rosalía de Castro. Foi no dia 17 de maio, em 1863, que a obra Cantares Galegos foi editada pela primeira vez.
Corria o ano 100 da nossa era. Os romanos eram senhores de um império que ia desde a Pérsia até à Bretanha, desde o Mar Negro até Finisterra. E é precisamente neste pequeno canto do fim do mundo, que numa pequena província pacificada por Décimo Juno Bruto Galaico, general imortalizado na célebre lenda do “Rio do Esquecimento”, se vai introduzindo paulatinamente o latim vulgar, fonte de origem de algumas das línguas mais antigas e atuais da Europa, como o Português, o Espanhol ou o italiano, ou ainda línguas que, pelo capricho de guerras e políticas, se confinaram a espaços regionais como o galego, o mirandês ou o ásture.
E é precisamente o galego que se celebra a 17 de maio. Nascida da língua românica ou neolatina, que por sua vez descende do latim vulgar, esta língua partilha com o português o mesmo berço. Por essa razão, por muitos séculos, conhecemos esta miscelanização como o Galego-Português, da qual temos como registo mais antigo a “carta da Fundação da Igreja de Lardosa” (atual Penafiel, distrito do Porto), datada de 882, na Alta Idade Média.
O galego-português conheceu grandes personalidades literárias na sua história como o trovador Martin Codax, Bernal de Bonaval ou dois dos mais eruditos reis da Europa nesse tempo: D. Dinis de Portugal (conhecido pelas suas Cantigas de Amor e de Amigo) e Afonso X O Sábio de Castela e Leão (autor das célebres Cantigas de Santa Maria).
Quis o destino que a partir do séc. XIV galego e português se separassem paulatinamente até hoje encontrarmos um galego com muitas palavras em comum com os vizinhos do outro lado do Minho, mas já excessivamente impregnado de Castelhano.
Ao longo dos séculos, a língua, que ainda hoje se fala em A Coruña, Pontevedra, Lugo e Ourense (capitais das quatro províncias galegas), produziu autores que até ao séc. XIV mantiveram a sua esfera de influência apenas no círculo do Antergo Reino de Galicia, realidade que viria a sofrer uma transformação significativa com o surgimento de escritores como Manuel Curros Enríquez, Eduardo Pondal, Manuel Murgía e, claro, Rosalía de Castro. A certificar a importância da língua na atual realidade desta comunidade autónoma está o facto dos documentos oficiais das três universidades galegas (Santiago, Vigo e Corunha) serem redigidos precisamente em Galego.
Foi com Rosalía que o idioma galgou a serra dos Ancares (fronteira natural entre a Galiza e Castilla-León) e se espalhou por toda a Espanha e daí para o mundo, através das malas de cartão dos muitos emigrantes galegos, quem à semelhança dos portugueses, levaram consigo as saudades da sua “terrinha” e as memórias intemporais da sua cultura única.
Apenas três obras Rosalía de Castro deu a publicar, mas uma brilhou mais intensamente na curta vida de uma escritora que partiu com apenas 48 anos: Cantares Galegos. Este livro, editado a 17 de maio de 1863, na cidade de Vigo, é um hino à cultura ancestral das gentes de Santiago de Compostela, de Allariz, Santo Andrés de Teixido, Lóbios ou O Cebreiro. A sua famosa estrofe “Adiós Rios Adios Fontes”, são ainda hoje mana de inspiração e de conexão telúrica de todos os “nados” em terras galegas e dos muitos outros que, por uma conexão umbilical imortal não esquecem a “¡Miña casiña!,¡meu lar!”
Autor | Artur Filipe dos Santos, doutorado em Comunicação e Património pela Universidade de Vigo, é professor universitário e investigador no ISLA-Instituto Politécnico de Gestão e Tecnologia e membro do ICOMOS - International Council of Monuments and Sites. Especialista do património cultural e dos Caminhos de Santiago, é o autor do blogue “O Meu Caminho de Santiago” e autor de vários artigos e palestras sobre a tradição jacobeia.
Artigo do Prof. Artur Filipe dos Santos publicado originalmente na revista Draft World Magazine
Dos Santos, Artur Filipe (2021). Galego: uma Língua sem Fronteiras. Disponível em: https://www.draft-worldmagazine.com/post/galego-uma-lingua-sem-fronteiras-87
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