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Vila Viçosa é mais do que o Paço Ducal

Vila Viçosa é mais do que o Paço Ducal - Artigo publicado por Artur Filipe dos Santos na revista Draft World Magazine
Vila Viçosa, monumento a Florbela Espanca - foto de Vitor Oliveira

Vila Viçosa é mais do que o Paço Ducal

Traços   Mai 13, 2021    0   865 Adicionar à Lista de Leitura

Berço de Florbela Espanca é candidata a Património da humanidade

Onde repousa a coroa de Portugal!

Corria o ano de 1640. D. Luísa Maria Francisca de Gusmão e Sandoval, que ficaria guardada para a histórica como D. Luísa de Gusmão, estava já há sete anos com D. João, duque de Bragança.

Num período em que o país estava sob o jugo Filipino, D. Luísa e os nobres portugueses procuravam convencer o relutante herdeiro por direito da coroa de Afonso Henriques a reclamar o trono e, dessa forma, pôr um fim ao reinado espanhol. É nesse contexto que D. Luísa terá professado a lendária (porque não passou disso mesmo) frase: “Antes rainha por um dia que duquesa toda a vida”. Luís de Meneses, 3º conde da Ericeira postula que a frase foi adulterada e que a mesma teria sido: “Mais acertado de morrer reinando do que acabar servindo”. Já o insigne historiador Veríssimo Serrão refere que a dita frase nunca existiu e que um movimento propagandístico de união terá sido encetado, decorrendo desse esforço tão ditoso episódio.

E tudo isto se passou em Vila Viçosa. Ocupada durante várias gerações primeiramente por romanos e posteriormente por muçulmanos, recebe foral, ao mesmo tempo que Santarém, Monsaraz e ainda Estremoz pelas mãos de Afonso III (que mandar erguer o castelo que ainda hoje perdura) e, a partir de 1500, passa para as mãos da Casa de Bragança, quando Jaime I assume o controlo do território. É Jaime, quarto duque de Bragança, que inicia a construção do Paço Ducal.


Vila Viçosa (que até já se chamou Vale Viçoso antes de “O Bolonhês” lhe ter outorgado foral).

Outra passagem que ajuda esta vila do distrito de Évora a reclamar um lugar especial da história universal é o relato que nos fala da coroação de Nossa Senhora de Conceição de Vila Viçosa como rainha de Portugal, seis anos depois da restauração da independência, por D. João IV. À semelhança de São Nuno Álvares Pereira (o Condestável), que mandou construir a igreja (agora santuário) em 1385, após a vitória na batalha de Aljubarrota, também O Restaurador era fiel devoto de Nossa Senhora da Conceição e a esta evocação mariana, à imagem da Imaculada que se encontra ainda neste cenóbio, ofereceu o rei a sua própria coroa, elevando-a a padroeira do reino, profetizando que mais nenhum rei ou rainha de Portugal haveria de empunhar o símbolo máximo da dignidade real nas suas cabeças já que esse mesmo privilégio pertenceria, a partir de março de 1646, tão unicamente à Imaculada Conceição de Vila Viçosa.

Mas a terra dos Calipolenses (é assim o gentílico dos habitantes desta localidade alentejana) não guarda só na sua história memórias reais e o panteão dos Bragança. A sua importância universal escreve-se com literatura já que, a oito de dezembro, nasce no seio de uma família de antiquários, Florbela Espanca, considerada por muitos a diva das letras portuguesas. Escritora precoce, ainda frequentava a escola primária de Vila Viçosa quando redigiu o seu primeiro conto, intitulado “Mamã”.

E tão cedo começou a escrever como cedo partiu. Quis o destino que, precisamente no dia em que completaria 36 anos de vida, Florbela viria a falecer a norte, em Matosinhos, outra cidade intimamente ligada à sua vida de “sonetista de laivos anterianos (...) uma das mais notáveis personalidades líricas isoladas, pela intensidade de um emotivo erotismo feminino”, como descreveram Óscar Lopes e António José Saraiva, na obra História da Literatura.

Pertence a Agustina Bessa-Luís a mais reconhecida biografia da poetisa, publicada em 1979. Em A Vida e Obra de Florbela Espanca, a escritora portuense escreve:

 “Em Florbela deparamos sempre com este desejo de cair nas mãos de alguém que a cuide, mais do que entrar na alcova de um amante que ame”.A diva repousa no cemitério da freguesia de Conceição, na terra que a viu nascer.

Ao centro do Jardim de Vila Viçosa, junto à estátua equestre de D. João IV capta-se a melhor panorâmica para o Paço Ducal. Conhecido por muitos como “Versailles de Portugal” é uma das edificações mais impressionantes do património cultural edificado do nosso país. No seu desenho encontramos a assinatura de arquitetos como Nicolau de Frias e Pero Vaz Pereira, que, separados por quase dois séculos que levaram à atual configuração que conhecemos hoje, conferiram a este espaço um traço de dignidade à altura da Sereníssima Casa de Bragança.


Pelos seus corredores e salas (como a dos Duques, a da Medusa ou ainda do Gigante) podemos encontrar exemplos de armaria, retratos de reis e duques e ainda pinturas, em aguarela e pastel, da autoria do rei e artista D. Carlos. E nas cocheiras podemos transportar-nos para outras épocas, contemplando parte do acervo do Museu Nacional dos Coches, onde encontramos o landau que transportou a família real no dia do Regicídio, em 1908.

Por todas estas razões Vila Viçosa exige que a sua importância histórica e arquitetónica, e o seu contributo para as letras lusas, seja elevada a valor universal. Desde julho de 2020 encontra-se depositado na Comissão Nacional da UNESCO, em Lisboa, o dossier de candidatura de “Vila Viçosa, vila ducal Renascentista” a Património da Humanidade, importante passo de um processo iniciado em 2016, quando Portugal apresentou, em Paris, a Lista Indicativa do nosso país, composta por mais de 20 bens a candidatar à classificação de Património Mundial no âmbito desta organização das Nações Unidas e que já viu a pretensão do Santuário da Bom Jesus, em Braga, alcançar o galardão agora perseguido pela vila ducal.


Autor | Artur Filipe dos Santos, doutorado em Comunicação e Património pela Universidade de Vigo, é professor universitário e investigador no ISLA-Instituto Politécnico de Gestão e Tecnologia e membro do ICOMOS - International Council of Monuments and Sites. Especialista do património cultural e dos Caminhos de Santiago, é o autor do blogue “O Meu Caminho de Santiago” e autor de vários artigos e palestras sobre a tradição jacobeia.


Artigo publicado originalmente na revista Draft World Magazine

Dos Santos (2021). Vila Viçosa é mais do que o Paço Ducal. Disponível em: https://www.draft-worldmagazine.com/post/vila-vicosa-e-mais-do-que-o-paco-ducal

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